a culpa é das hormonas, só podem ser elas...
foram elas que me fizeram chorar hoje de manhã cedo em pleno metro
e mesmo agora, enquanto escrevo ao fim do dia
volto a sentir o nó na garganta, o aperto no peito
e a mesma humidade nos olhos, volto a sentir-me estúpida e confusa
a culpa é das hormonas, só podem ser elas...
são elas que fazem oscilar o meu humor e a minha emoção,
que me deixam exposta, sem defesas perante aquele miúdo
que pede esmolas pelas carruagens do metro
acompanhado pelo cão pequenito, magro e sujo,
sempre empoleirado em cima do acordeão
quem costuma andar de metro em Lisboa provavelmente
já se cruzou com esta dupla e até já saiu uma foto deles
na contra-capa de um livro do Edson Athayde
não foi a primeira vez que os vi, nem vai ser a última
mas foi a primeira vez que chorei calmamente,
sem qualquer controle ou tentativa de disfarçar, em pleno metro
a culpa é das hormonas, só podem ser elas...
não pode ser o cão, nem o olhar do cão
(meu Deus, os olhos tristes daquele cão)
nem aquela cordinha quase podre na boca
segurando o recipiente das moedas,
que é o fundo recortado de uma garrafa de plástico...
não pode ser o cão, que se vira exactamente
para as mesmas pessoas que o miúdo
e com o mesmo olhar...tão expressivo, quase humano
não pode ser a melodia do acordeão nem o miúdo com a cara suja,
não pode ser o cão, nem o olhar do cão
(meu Deus, os olhos tristes daquele cão)
a culpa é das hormonas, só podem ser elas...