O Suave Milagre 60 - é preciso a chuva para florir

maldigo a chuva que cá dentro teima em cair
como a que cai lá fora, imprevista e indesejada
não sei porque insistes no teu chover
se não me lavas nem a alma nem nada
resisto até que o cansaço dê a vez ao choro
liberto as tuas águas para me sentir aliviada
mas que lágrimas são estas que ao sair
ainda me deixam mais pesada?


"Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso, porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs,
o sabor das massas e das maçãs,
é preciso o amor para poder pulsar,
é preciso paz para poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
compreender a marcha e ir tocando em frente
como um velho boiadeiro levando a boiada,
eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou, de estrada eu sou

Todo mundo ama um dia, todo mundo chora
Um dia a gente chora, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si, carrega o dom de ser capaz, e ser feliz

Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si, carrega o dom de ser capaz, e ser feliz."

Tocando Em Frente - Almir Sater e Renato Teixeira

O Suave Milagre 59 - Falls

não me debato nestas águas
onde entrei por meu próprio pé
e onde tenho sido tão feliz contigo
observo nas duas margens a passagem dos anos
a mudança natural das estações
pelo caminho, um infinito de estrelas
são as testemunhas silenciosas
de eu ter sido tão feliz contigo
deixo-me arrastar pela correnteza
esperando que ali à frente
chegados à grande cascata
agarres com força a minha mão
com medo que nos percamos para sempre
terás sido tão feliz comigo?
e na vertigem dessa queda
onde inevitavelmente acaba este curso
atirando-nos sem retorno para outras águas
mesmo que não me segures
vou dizer-te enquanto caimos pelo ar
que fui tão feliz contigo.

O Suave Milagre 58 - para o Nuno

são tantas as saudades, meu querido amigo
que fiquei melancólica depois de falar contigo
sabes, esta distância toda é um perigo
vamos partilhando as nossas vidas meio em diferido
cada um dos dois a cumprir o seu castigo
eu sei que há muito que não te digo
que podes sempre contar comigo
mas que tenhas a certeza, meu querido amigo
de ter em mim um porto de abrigo.

Singularidades de uma rapariga loura 56 - querido Nilson, não fui de férias!

eu sou daquelas que gosta de trabalhar em Agosto,
de ver a rua onde moro cheia de lugares vagos,
de passear nas minhas avenidas preferidas sem pressa,
de ter os dois senhores do café da esquina só para mim,
de fazer compras com muita calma,
de sair de manhã cedo só para ver a cidade mais deserta,
de ouvir música bem alta sem me preocupar com os vizinhos,
de aproveitar silêncio à minha volta no trabalho,
e principalmente, de não estar cá quando todos voltarem.