O Suave Milagre 86 - Ainda o mesmo...
Há mais de 30 anos atrás este senhor já o sabia e escreveu-o no mesmo ano em que nasceria a minha amiga Ni, que soube-o muito antes de mim e que nunca teve medo deste papão.
Eu só recentemente aprendi a não ter medo da sua presença...
"A solidão não é precisamente estar sozinho, mas talvez comece por ser esta cada vez menor capacidade que o homem tem de estar consigo próprio. Porque cada um se tornou para cada um o seu pior inimigo. No fundo do homem vê-se, disfarçada, a autoculpabilização severa por uma vida vazia e sem amor. Em cada manhã, com o fazer da barba, fica esta recordação acre de tudo aquilo que somos e fazemos. Depois é a ânsia dos pretextos para a evasão constante de quem se não pode ver ao espelho: é o procurar desordenado dos outros, de qualquer outro: é o tempo das viagens nocturnas pelos cafés e pelos bares da cidade...
Dou-me muito bem comigo. Faço mesmo questão em estar sozinho, em viajar sozinho. Sou capaz de manter conversas infindáveis por dentro da noite com os livros que leio e as coisas em que vou pensando. Talvez por isso a solidão me não visite muitas vezes mas, apesar disso, eu sei quem ela é. Sei o que é a amargura da sua visita. Conheço o raspar discreto das suas pantufas..."
"O Tempo nas Palavras" - António Alçada Baptista - 20 de Fevereiro de 1973
Eu só recentemente aprendi a não ter medo da sua presença...
"A solidão não é precisamente estar sozinho, mas talvez comece por ser esta cada vez menor capacidade que o homem tem de estar consigo próprio. Porque cada um se tornou para cada um o seu pior inimigo. No fundo do homem vê-se, disfarçada, a autoculpabilização severa por uma vida vazia e sem amor. Em cada manhã, com o fazer da barba, fica esta recordação acre de tudo aquilo que somos e fazemos. Depois é a ânsia dos pretextos para a evasão constante de quem se não pode ver ao espelho: é o procurar desordenado dos outros, de qualquer outro: é o tempo das viagens nocturnas pelos cafés e pelos bares da cidade...
Dou-me muito bem comigo. Faço mesmo questão em estar sozinho, em viajar sozinho. Sou capaz de manter conversas infindáveis por dentro da noite com os livros que leio e as coisas em que vou pensando. Talvez por isso a solidão me não visite muitas vezes mas, apesar disso, eu sei quem ela é. Sei o que é a amargura da sua visita. Conheço o raspar discreto das suas pantufas..."
"O Tempo nas Palavras" - António Alçada Baptista - 20 de Fevereiro de 1973
1 Comments:
Nunca a procurei (a solidão), mas ela sempre fez questão de me acompanhar. Desde miúda que sinto necessidade de estar só (tarefa difícil numa casa cheia de gente), uma necessidade física. Nessa altura procuro reorganizar os pensamentos, baralhar alguns demasiado "certinhos", ver-me ao espelho (como no livro), não para fazer a barba, mas para actualizar o inventário das rugas, dos cabelos brancos, do sorriso, tudo o que é meu, e que faz de mim única.
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