quarta-feira, dezembro 07, 2005

O Suave Milagre 88 - The Greatest Show on Earth


Disse-me a minha tia C. que o meu avô Joaquim, que não cheguei a conhecer, gostava muito de circo.
Recentemente e sem estar a contar, assisti a duas actuações artísticas classificadas como "circo".
Fez-se um clique, ligou-se qualquer coisa dentro de mim e então resolvi. Na lista daquilo que faria se ganhasse o Euromilhões, entre ajudar a família alargada e os muitos amigos, mais as duas instituições beneficentes que iria fundar, há uma coisa que eu faria (ia ser considerada infantil e provavelmente mal interpretada): iria montar o meu próprio circo!
"Tu que te armas em defensora dos bicharocos ias patrocinar um espectáculo altamente associado à exploração dos animais?" "Que passam fome e actuam acorrentados?" "Fora do seu habitat?"
Já antevejo algumas caras... calma que primeiro tenho que ganhar o prémio e depois, o circo não são só os animais. Aliás, a parte que me diz mais até é o trapézio...e os trapezistas... e aquela coisa que tem de tradição familiar, como todo o resto do circo tem.

Desde que me lembro que o mundo do circo sempre me fascinou e a palavra fascínio aqui não é exagero. Até é pouco. Não sei como esse interesse começou, o mais longe que consigo ir nas recordações é ter ido atrás do palhaço das andas que fazia a publicidade e passou na minha rua. Segui-o em estado letárgico até ter quase saído da cidade. A partir daí não existiam férias sem circo, com bilhete ou à socapa, férias era sinónimo de circo. Mas os meus amiguinhos não alinhavam, uns porque tinham medo dos palhaços e das "feras", outros diziam que era sempre igual todas as noites, que não tinha graça e havia também aqueles que não gostavam porque era "de pobre". Foi uma das minhas poucas afirmações de personalidade naquela altura, senão mesmo a única.

Lembro-me também de ter visto o filme "The Greatest Show on Earth" e de como me marcou o drama daquela família de trapezistas. Este filme de Cecil B. DeMille em 1952 chegou a ganhar o Óscar de melhor filme e melhor argumento, mas isso é material para a Fábrica Lumière. Já adulta, li "O salto mortal" da Marion Zimmer Bradley e o drama de outros trapezistas me emocionou, ainda que de forma diferente. Chego a pensar se haverá trapézio sem drama e se virá daí a minha atracção.

Continuo a gostar muito de circo. Bem, é um pouco mais do que gostar... é um sentimento de pertença, tenho saudades do circo quase como o emigrante tem saudades da terra natal. Debaixo da enorme tenda, deixo as lágrimas cairem felizes entre o barulho das crianças, sento-me nas tábuas de madeira como se fossem o mais confortável dos assentos, inspiro todos os cheiros até ter serradura nos pulmões e olho para os artistas como se procurasse reconhecer velhos amigos. Mais do que entreter eu vou ao circo para me enternecer, para me amaciar a alma, para me sentir um bocadinho mais completa. E esta altura do ano é muito boa para isso aqui na zona da Expo.

Esta minha sensibilidade ao circo é um mistério... até para mim.