sexta-feira, março 19, 2004

O Suave Milagre 29 - acaso

adormeci muitas horas depois de me ter deitado
fiquei a imaginar quantos anos de pena apanharia
por assassinar o director em pleno local de trabalho
pensei se a pena seria reduzida por existirem cúmplices
fiz uma lista mental de desculpas plausíveis
para não ter que aparecer no dia seguinte
lamentei estar tão desmotivada e tão insana
primeiro ri dos meus pensamentos absurdos
depois tentei descobrir por quanto mais tempo posso aguentar
até chegar ao limite
e se esse momento vai ser incontornável,
incisivo, sem dúvidas e sem hesitações
mas enquanto via que as horas passavam no despertador
tentei calcular a minha quota-parte nisto tudo
pesei as consequências das minhas decisões profissionais
e o preço exorbitante de nos acomodarmos
procurei a saída, a luz no fim do túnel,
uma oportunidade à espera de acontecer,
uma porta entreaberta por um tempo determinado
alguém a quem pedir indicações numa estrada totalmente desconhecida
adormeci antes de ver qualquer uma destas coisas
na manhã seguinte vejo uma rapariga dirigir-se para mim
na pagarem do autocarro, tento abrir mais um pouco os olhos sonolentos
vejo que é uma colega de faculdade que já não via há mais de 6 anos
depois dos bons-dias, vem a pergunta da praxe:
- "então, estás no mesmo sítio?"
- "sim (e pensei: em todos os sentidos!!!) e tu?"
- "ah, eu não! sabes, estava a dar em maluca depois de 6 anos naquele sítio,
era a minha felicidade que estava em causa,
então uma bela manhã cheguei lá e despedi-me, assim mesmo..."
nessa altura olhei para o céu e pensei:
"que subtileza, o Teu timming sempre perfeito, este conteúdo
e uma mensageira improvável, ok já percebi o que me estás dizer... "
ao comentar este Suave Milagre com outra pessoa, ele foi rotulado como um acaso
podemos chamar-lhe isso, porque como eu li algures:
"o acaso é só um pseudónimo quando Ele não quer assinar".